Nepotismo DemocráticoNEPOTISMO DEMOCRÁTICO: Novos Eleitores, Velhas Práticas Eleitorais.
Professor Paulo Eduardo - Pedagogo e Historiador.
Quem é brasileiro sabe: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Esse ditado popular é bem difundido entre as camadas menos desprivilegiadas e pouco instruídas da sociedade brasileira. É como se o nosso povo tivesse assinando cegamente sua própria rendição às classes providas de maiores oportunidades. Certamente, seria um exagero se encontrássemos ditados como esse na letra do hino ou ainda na flâmula nacional. O fato é que o “cala boca” em troca do “levar vantagem” está na alma e na identidade do brasileiro. O sociólogo Sergio Buarque, em seu livro “Raízes do Brasil”, expressa bem esse sentimento quando escreve: “ a contribuição do brasileiro para a civilização mundial é a CORDIALIDADE”. Portanto, uma prática claramente corrupta, tornou-se ação culturalmente “civilizada”.Também está na formação da identidade nacional o que o mestre italiano Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe”, deixa transparecer: “os fins justificam os meios”. O filósofo italiano, ainda no século XVI, caracterizou os governos absolutistas europeus de sua época, desvendando as atitudes despóticas com as quais os monarcas governavam. Para ele, governar é sinônimo de firmeza, habilidade e negócio, desde o momento da aquisição, passando pela manutenção à perca do poder pelo governante. Talvez a maior contribuição de Maquiavel para o mundo tenha sido a sua análise sincera do pensamento político individual de um governante. Assim, explicou Maquiavel o ser político: No primeiro momento, o político é dotado de Moralismo Abstrato, que se revela no pensamento do político, geralmente antes de assumir o poder. Nessa fase, o político acha que moralmente deve fazer o bem comum a todos os que estão sob sua governança, independentemente da condição de apoio ou não ao seu governo. É como um bebê, que toca pela primeira vez numa panela quente, mas jamais repetirá o ato, porque já sabe o resultado final. No segundo momento, essa consciência moralista abstrata se perde e dá lugar ao Realismo Político. Nessa fase do pensamento do político, a sua consciência é tomada de súbita transformação em relação à forma de governar. Como o próprio nome indica, o político está perante a realidade do poder e, certamente, necessitará mantê-lo. Daí, a jóia maquiavélica: “Os fins justificam os meios”. Não importa se terá que sacrificar finanças, família ou vidas humanas; Em nome do sucesso e da manutenção do seu governo, “vale tudo”. Cabe aqui ainda, uma pergunta “maquiavélica”: Como estaria ou seria a consciência de um político que já passou muito tempo governando um mesmo lugar? Depois de tantas idas e vindas ao poder, como estaria o conceito de moralismo político daquele governante?A diferença entre os conceitos de público e privado também é outro motivo de muita distorção de valores e atitudes entre os brasileiros. Público, segundo o dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é relativo a tudo o que se refere ao povo; de uso comum, enquanto Privado está diretamente ligado a particularidade, exceção e até mesmo ao não-público. No Brasil, essas palavras são bem distintas na teoria, mas causam problemas gigantescos ao ideal de Democracia adotado pelo país. Somente para citar um exemplo: Os assuntos de caráter privado são tratados em ambientes públicos, a exemplo da realização de reuniões religiosas interditando lugares públicos, como ruas e avenidas; materiais de construção, mesas em bares, lanchonetes e exposição de carros e motos em calçadas, além de placas de anúncio particular em postes e em objetos públicos. No campo político, os sociólogos corriqueiramente estão desvendando iniciativas históricas, em suas pesquisas, através de leis que utilizam o poder político para beneficiar o poder econômico particular, quando esse último também está presente nas decisões legislativas ou executivas, ocupando cargos políticos majoritários ou de legislador. O contrário também acontece. Iniciativas públicas são realizadas em meio privado. As decisões do bem público atingem as residências dos governantes como símbolo de intimidação ou acalento político. É a velha tática do “ruim comigo, pior sem mim”; É como se dissesse: “Você está dentro da minha casa, vai discordar de mim, por quê?”Através destes exemplos, podemos visualizar as conseqüências do processo histórico pelo qual a sociedade brasileira passou. A casa do senhor de engenho foi o ponto aglutinador do poder colonial. É o que se fez entender o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, que caracteriza o envolvimento sociável e profícuo entre o escravo e o senhor, relação esta que na visão freyriana trouxe benefícios mil para construção da identidade nacional. Desta relação, casarão-senzala, os conceitos europeus de público e privado foram desviados e tomados pela maioria da população como sinônimos, quando deveriam ser antônimos distantes. O nosso povo aprendeu a colocar em primeiro lugar o direito individual, deixando o direito coletivo em segundo plano. Na prática, essa relação se traduz no senso comum, através dos ditados populares: o tradicional “Fulano rouba, mas faz”; Como se subtrair o dinheiro público fosse algo correto, mas quando o roubo se faz nos pertences individuais a história muda de figura. É aí que os conceitos de público e privado se chocam. Um exemplo: Poucos se importam quando num dia seus filhos, que estudam na escola pública, vêm para casa mais cedo, porque na escola não tinha água ou faltou merenda, prejudicando o aprendizado do aluno que num futuro bem próximo não conseguirá passar em concursos, porque não aprendeu o suficiente para competir com os medalhões da escola particular. Mas certamente, estes mesmos pais ficam indignados quando alguém risca seu carro ou risca seu muro. Isso acontece porque na consciência coletiva do brasileiro o que é público passa a ser sinônimo de gratuito e, portanto, não se paga pelo serviço. Aliás, essa é outra confusão feita pelos brasileiros. Público não é o mesmo que gratuito. O Público é pago, e bem pago, com o dinheiro que entregamos aos comerciantes quando compramos algo. Da caixa de fósforos, do bombom até o carro, boa parte do preço dos produtos que pagamos torna-se imposto, que servirá para pagar médicos, advogados, professores, políticos e uma gama de trabalhadores estatais. Assim, derruba-se o mito de que o público é gratuito.O célebre jurista italiano Cezare Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas”, nos esclarece outra prática corriqueira dos brasileiros - a legalidade em detrimento da legitimidade. Beccaria estudou os antecedentes criminais dos delituosos, as razões pelas quais estes cometeram os delitos e as penas aplicadas a eles. Concluiu que Rousseau, importante pensador francês, estava parcialmente coerente em sua afirmação célebre: “O homem é bom por natureza, mas a sociedade é que o corrompe”. Beccaria não acreditava na perfeição humana adquirida no ato do nascimento, mas admitiu que muitos dos crimes cometidos pelos seus objetos de pesquisa eram efetivados por aqueles que não tinham oportunidades sociais iguais aos que não cometiam crimes ou crimes tão graves. O pensador italiano jamais quis inocentar os cúmplices, mas justificar o ato cometido utilizando circunstâncias históricas e explicações sociológicas, que para a sua época eram inimagináveis. Citamos o exemplo de Cezare Beccaria para introduzir a discussão sobre os conceitos de Legítimo e de Legal, confundidos e ideologicamente utilizados pelas forças dominantes brasileiras para mascarar as causas das mazelas provocadas pelas elites burguesas. “Fulano é pobre porque não estudou” ou ainda, “fulano é rico porque trabalhou muito”. Quantos diplomados estão desempregados e quantos corruptos são milionários? A esse respeito escreveu Karl Marx, filósofo alemão, em sua obra “Manuscritos Econômicos – Filosóficos”: “O salário é determinado pela luta árdua entre o capitalista e o trabalhador. (...) O capitalista pode viver mais tempo sem o trabalhador do que o contrário. A união entre os capitalistas é comum e competente, enquanto a união entre os trabalhadores é proibida e traz os mais árduos resultados”. Afinal, onde está o limite entre a Lei e a Vontade do povo? Legítimo é algo que pertence fortemente a um povo e que faz parte do dia-a-dia, a essência daquele povo. Enquanto Legal deve ser usado para definir algo que se tornou Lei, com ou sem a legitimidade necessária. No entanto, nem sempre o que é legal, dentro da Lei, é, portanto, legítimo ou vice-versa. Existem casos em que uma regra é aceita socialmente por um povo, mas a legislação a condena. Em outros casos acontece o inverso.Um fato social vem permeando as rodinhas de discussões nos principais centros urbanos brasileiros – nepotismo. O Nepotismo é uma prática silenciosa e mascarada de nossos poderes constitucionalmente instituídos. No entanto, tal prática é ilegal e imoral, porque afeta a sociedade brasileira naquilo que tem de mais frágil e ínfimo, o sentimento de coletividade, de nação, de pátria. O famigerado nepotismo é o emprego de parentes nos órgãos públicos pelos representantes dos poderes, sem amparo legal, como reza a Constituição Federal de 1988, que os cargos públicos deverão ser preenchidos mediante concurso público com provas de títulos e outras adequações às atividades inerentes aos cargos. No nepotismo, os interesses de muitos que necessitam e têm gabarito para pleitearem uma das vagas oferecidas nos concursos são substituídos por outros ilegítimos interesses familiares, assim como na relação casarão-senzala e da cordialidade, bem como da deturpação dos conceitos de público e privado. Certo dia na tevê, um administrador público quando perguntado “porque ele empregara tantas pessoas ligadas a sua família”, ele respondera “que faltava-lhe opção de mão-de-obra qualificada na região para substituí-los. Pergunta-se: Não seria mais um motivo à abertura de concurso público para despertar o interesse de profissionais gabaritados de outras regiões? Entretanto, mais absurdo do que o nepotismo-crime é o nepotismo legalizado democraticamente. É o que chamamos de Nepotismo Democrático. Como, se nepotismo é crime? Explicaremos! A Democracia é o regime adotado pelo Brasil como movimento representativo do povo brasileiro para governar política, econômica e socialmente o país. Um dos princípios democráticos observados na Constituição Nacional está a garantia de cada cidadão exercer seu “dever” de voto e seu direito de ser votado. Aí é que mora o tal nepotismo democrático. Como a Lei brasileira abre espaço para a candidatura de todos os brasileiros naturais ou naturalizados, as famílias que possuem grande poderes nas mais variadas cidades do país, escolhem parentes de primeiro, segundo ou de terceiro graus para se candidatarem numa mesma chapa, a cargos majoritários ou legislativos. Após às eleições vencidas por estes, é quase certo que o comando destas cidades fiquem sobre o poderio de uns poucos, e o pior, nas mãos de uma só família, praticamente. É nesse momento que o ideal de democracia é jogado literalmente no lixo e as instituições democráticas, principalmente o povo, ficam de mãos atadas. É bem verdade que a escolha foi democrática, votou-se para tal fim, mas nos perguntamos: Diante de um passado histórico de relações sociais construídas historicamente de forma deturpada pelo povo brasileiro, como a maioria deste mesmo povo poderia discernir entre o que é relativamente legítimo e o que é legalmente aceito, honrado, digno e correto? Desconfia-se que a democracia à moda brasileira ainda tenha que eliminar muitas práticas políticas arcaicas, utilizadas pelas oligarquias a tempos para legitimar a opulência e o autoritarismo coronelístico nelas presente. Do contrário, todos os esforços e todas as estruturas das instituições democráticas instituídas, bem como as novas gerações de eleitores estarão fadados a assistirem o fim dos ideais democráticos tão almejados pelo Estado brasileiro. Talvez Sérgio Buarque tivesse razão, quando escrevera: “A Democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”.